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Noutro tempo, os rádios eram aparelhos grandes, escassos e caros. Só os mais abastados os possuiam.
Na nossa casa, havia um aparelho de rádio Halicrafter, em metal cinzento, certamente, vindo da América. Todos os dias, à noite, na onda curta, meu pai ouvia notícias, no meio de assobios ondulados ,as estridentes que só a vontade de estar ligado ao mundo, numa ilha fechada, ultrapassava as dificiências sonoras.
Poucos aparelhos de rádio havia nas Lajes. Só em algumas mercearias e tabernas. Aos domingos, ecoavam pelas ruas, os relatos de futebol. De semana, os rádios eram ligados muito cedo, para servirem de chamariz. Eles acompanhavam as ariadas à baleia na frequência marítima para os fregueses ouvirem os relatos entre o vigia e os mestres das lanchas, sobre o rumo e o comportamento das baleias e o nome do trancador do cetáceo. Eram autenticas reportagens relatando peripécias e, de quando em vez, trágicos acidentes.
Já então, a rádio era um meio portentoso, de levar aos lugares mais recônditos informação sobre o curso da humanidade, de guerras terríveis na Europa e no mundo algumas das quais envolveram também os Açores.
Mais tarde, através da base das Lajes, surgiram os pequenos aparelhos transistorizados. O contrabando comercial foi tão grande que rapidamente os rádios passaram a estar ao alcance de todas as camadas populacionais. Foi a primeira grande mudança.
Em Angra, por exemplo, os homens aos domingos passeavam pelas ruas ostentando os seus transistores e ouvindo música ou relatos de futebol, em altos sons.
A chegada da televisão, em 1976, destronou os móveis ornamentais, preciosos e caros, cujos rádios e gira-discos funcionavam com válvulas. Nas salas de visita tinham lugar destacado, mas a caixa que mudou o mundo e oi avanço técnico atirou-os para o sótão das velharias.
Passado o primeiro impacte, a rádio recuperou a sua função original de meio de comunicação de massas, de acesso rápido à informação sobre a hora e de instrumento promotor e facilitador da educação, da cultura e do entretenimento.
Tal como hoje sucede com a internet, cujo papel nas recentes revoltas populares em África e no Médio Oriente teve papel preponderante, também a rádio promove a liberdade de expressão e de opinião, dá voz aos sem-voz, às pequenas comunidades, e transforma-se num arauto de aspirações e anseios legítimos.
Estes são os princípios orientadores das rádios locais e das rádios ditas regionais, se é que estas designações estão ajustadas ao fenómeno da globalização. Algumas já perceberam a missão social que desempenham e constatam, nas audiências, a sua aceitação ou rejeição por parte dos ouvintes.
Há exemplos satisfatórios e louváveis do papel que os programas de rádio podem ter na auscultação dos problemas das populações e na sua divulgação junto dos poderes e da opinião pública; há programas que relevam as culturas locais, os saberes e falares típicos cuja riqueza fortalece a identidade açoriana; há programas que apelam ao exercício da cidadania, à preservação e cuidado com o ambiente, com as riquezas naturais e humanas - factores importantes da cultura e da coesão social.
Durante 15 anos, o programa Manhãs de Sábado, da RDP-Açores, (hoje Antena 1-Açores) desempenhou, de uma forma exemplar, estes desígnios. Já aqui o disse, há uns anos atrás: Mário Jorge Pacheco (juntamente com João Almeida e José Joaquim) foi dos poucos radialistas açorianos que se preocupou em dar voz às nove ilhas, aos sábados de manhã. E fê-lo recorrendo a homens e mulheres – cronistas desinteressados, mas assíduos -, para quem os valores e anseios da sua ilha estão acima de qualquer bairrismo doentio. MJP entendeu que a música açoriana e a música que se faz nos Açores, devem ter um carinho muito especial e uma divulgação sem limites pois, não sendo suportada pelas poderosas máquinas promocionais das grandes editoras, corre o risco de perder-se no reduto das ilhas e de morrerem os seus autores e intérpretes.
Papel importante teve também MJP na aproximação com a diáspora, do Sul do Brasil à Califórnia, levando-lhe notícias nossas e trazendo-nos a vida dos que partiram.
Manhãs de Sábado, em 15 anos, revelou aos açorianos que nas ilhas de cá e de lá, há uma preciosa herança cultural, uma imensa e constante criatividade artística e uma identidade salgada pela maresia e pela força dos elementos. Só por isto teria valido a pena este programa.
Que outros lhe sigam o rasto, na Antena 1 ou noutras rádios, pois os bons exemplos devem ser seguidos.
Obrigado Mário J.Pacheco!
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